Motorbest

Barrigas de aluguer

Gerar vida numa barriga alheia, pressupõe intencionalidade, mas no mundo automóvel, raramente é assim. Em estreia na Motorbest, David Silva comprova a teoria.
David Silva
21 de ago. de 2025

Quando se pensa em gerar um filho, muito raramente abdicamos daquela parte divertida do início. Aliás, geralmente nem sequer abdicamos de muito treino, também divertido, antes de avançarmos para a concretização final. As marcas de automóveis também gostam de se divertir a gerar os seus filhos. É assim que conseguem evoluir e inovar. Os tais treinos chamam-se “concept cars” e, de vez em quando, há um desses treinos que vê a luz do dia. E acredite-se que os designers e engenheiros também se divertem bastante no processo.

Mas a história conta-nos que, como o homem, também as marcas, por especiais circunstâncias, acolhem e adoptam modelos concebidos ou idealizados noutras marcas. Por vezes é um pouco a história do “Hás-de mostrar-me o teu caixote do lixo”. As marcas aproveitam estudos não continuados de marcas mais conceituadas. É como aquele amigo bem-parecido que, quando casa, deixa uma data de ex-namoradas desgostosas para os amigos menos afortunados. Depois há aquelas que, para criar rupturas em vícios criados internamente, pegam em produtos criados em marcas irmãs, escandalizando os seus aficionados e tentando conquistar outros. Se queremos uma filha alta, loira e de olhos azuis e a cara-metade é baixa, morena de olhos castanhos não é com uma lua-de-mel em Estocolmo que o vamos conseguir. A não ser que se coloque uns pozinhos para dormir na taça de champanhe e se vá dar uso ao charme do farfalhudo bigode lusitano na discoteca mais próxima. 

Incubação alheia é o tema deste mês. Falaremos de alguns modelos que precisaram de uma galinha que pusesse um ovo, para que nascesse um peru. Tentaremos fazer uma triagem, explorando modelos que viram o seu planeamento alterado ou o seu criador contratado, ou até mesmo um projecto “roubado”. E não será de inspirações que iremos tratar. Mostraremos que também a indústria automóvel mostra infertilidade ocasionalmente e procura barrigas de aluguer para a gestação das suas criações. E poucas potências automobilísticas poderão atirar a primeira pedra quanto a este assunto. Venham de lá esses bastardos!
 

Peugeot 309 (1985-94)

Imaginemo-nos em 1985. Depois de sermos metralhados pela imprensa com o desenvolvimento do novo Talbot, com algumas fotos espião à mistura, começa-se a desconfiar que afinal a montanha poderá parir um rato. Os planos da Peugeot para a marca adquirida em 1978 e campeã do mundo de ralis em 1981 mudavam e não mais deveriam ser lançados novos modelos ostentando o logotipo da Talbot. A imagem da marca entretanto ressuscitada, ficou comprometida com uma série de greves nas suas fábricas, e a Peugeot não estava em condições de enfrentar um fracasso de vendas. Nascia outro problema: o que fazer ao projeto C28? Já demasiado avançado e evoluído, o protótipo C28 mostrava um pequeno familiar que encontrava concorrência no Peugeot 305 embora com linhas bem mais atraentes e modernas. Era uma espécie de gravidez não planeada, só que da própria irmã. E a nomenclatura do modelo fazia coçar a cabeça ao marketing da Peugeot. O 405 estava em desenvolvimento final e representava um modelo num segmento acima. Era demasiado cedo para lançar um 306 até porque a casa de Sochaux não se sentia confortável em abandonar os três volumes do 305 neste segmento. O 205 já arrasava por toda a Europa e um 206 era um tiro no pé. O novo modelo era de um segmento claramente acima do 205 e claramente abaixo do futuro 405. A Peugeot não se coibiu de arranjar um nome que embandeirava a ilegitimidade do seu filho mais novo. O 309 rompia com a lógica numérica da Peugeot, mas não comprometia a normal evolução dos modelos da marca num futuro próximo. 

Desde os filmes do Tarzan que o leão era maltratado por alguém de nome começado por T. Foi em 1985 que finalmente se vingou e substituía o T na grelha do 309, daquele que se deveria chamar Talbot Arizona, sucessor do Horizon, e contra todas as probabilidades se tornou num grande Peugeot. As versões desportivas apareciam logo no início com o GT 1.9 de 105cv. Em 1987 aparecia o GTI com o mesmo bloco a debitar 130cv e a levar vantagem numa apreciação global em comparativos com o Opel Kadett GSI, o Ford Escort RS Turbo e o Nissan Sunny 1.8 GTI 16V. Em 1992 aparecia o GTI 16 com 975kg e 160cv herdados do 405 Mi16. Era um leão com genes de chita, mais rápido que um coelho no cio. No entanto o preço elevado não era compatível com a fraca qualidade dos materiais do habitáculo. 

Boato: Jean Todt foi copiloto de Guy Frequelin em 1981, vice-campeões mundiais de ralis a bordo de um carro que tinha quatro marcas e que era possuída por outra: o Talbot Chrysler Sunbeam Lotus já era propriedade da Peugeot. Terá sido o actual presidente da FIA quem mais lutou contra a extinção da marca defendendo o Talbot Arizona até ao fim. Como não se fala de boca cheia os maiorais de Sochaux entregaram-lhe a direcção da Peugeot Talbot Sport. E ninguém mais o ouviu a dizer Talbot.
 

“É curioso como a aparição de um aileron azul pode causar sensação”

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Um leão veloz como uma chita e com aspecto de tubarão. Até na publicidade se sentia a dificuldade em definir o Talb… Peugeot. As versões base da primeira série eram equipadas com as robustas motorizações a gasolina da Simca e os indestrutíveis diesel Peugeot. Em 1989 a segunda série ainda aproximou mais a estética à gama de Sochaux, já com as motorizações totalmente oriundas do grupo PSA. Fruto de uma relação incestuosa entre irmãos, não revelou problemas de consanguinidade, sucedendo-lhe o 306. Em termos de nomenclatura era como ter um pai chamado Junior a chamar Senior ao seu filho. Mas com o 306 a marca voltava a lógica numérica de definição da sua gama.

Porsche 924  (1976-88)

A parceria VW/Porsche criada com o 914 mostrou dinamismo, e apesar das vendas do modelo no continente Europeu não terem excedido as expectativas, foi nos Estados Unidos que se notou mais o potencial desta aliança. Muito cedo se pensou na sucessão do 914, tendo sido mesmo no ano do seu lançamento que a VW encomendou à Porsche o desenvolvimento do seu herdeiro. O caderno de encargos era explícito. A Porsche deveria ir às prateleiras da VW e projetar um desportivo exclusivamente com peças mecânicas já existentes na gama VW e Audi. O Frankenstein, ou melhor, o Frankenstwagen deveria também ser um 2+2 como o 911, ter mais espaço para bagagens e mais confortável na utilização quotidiana. O resultado final seria vendido como VW ou Audi sendo a engenharia Porsche usada como trunfo para as vendas. O protótipo EA425 usaria uma configuração transaxle que permitia uma distribuição de pesos perfeita nos dois eixos. O motor de 2L e a respetiva caixa manual de 4 velocidades montada sobre o eixo traseiro eram oriundos do Audi 100 e da VW LT com o rapport ajustado. A direção e a suspensão dianteira viriam do Golf e a suspensão traseira do Carocha. A caldeirada à Wolfsburgo estava quase pronta a ser servida quando se dá a crise petrolífera de 1973.

A VW repensou toda a sua estratégia e decidiu saltar fora do projeto. Iria desenvolver um pequeno desportivo de tração frontal com base no Golf. Viria a chamar-se Scirocco. As instalações da Porsche em Zuffenhausen fizeram o papel do convento onde a mãe desesperada deixa o recém-nascido à porta, toca a campainha e desata a fugir. A Porsche adotou o rebento e acabou o seu desenvolvimento como modelo de entrada na gama. Em 1976, no lançamento do novo Porsche 924, a reação ao modelo não foi a melhor. Os puristas reclamavam da adoção da refrigeração a água e motor dianteiro. Além disso o preço de Porsche não se coadunava com o cravejamento de peças VW que o 924 exibia no interior. Quando descobriram que as rodas traseiras eram freadas por tambores começaram as romarias à campa do Dr. Ferdinand para que viesse pôr ordem na casa. Os 125cv eram razoáveis para um veículo de entrada na gama. Apesar de tudo o 924 era uma excelente base para os 12 anos de evolução que iria enfrentar e partilhava a origem com a história da própria Porsche. E esta nunca escondeu as suas origens humildes, contra o elitismo de alguns dos seus clientes.

Boato: 
Paulo Futre tinha 21 anos em 1987 quando venceu a Taça dos Clubes Campeões Europeus pelo Futebol Clube do Porto. Rapidamente lhe chegou uma proposta tentadora do Atlético de Madrid. Mas o jovem Paulinho não sabia falar castelhano e torcia o nariz à mudança de ares. Quando ouviu a palavra Porsche pediu logo os bilhetes para ir a Madrid. Quando entrou no stand madrileno acompanhado por Pinto da Costa e Gil y Gil, só havia 2 carros. O presidente do clube espanhol, ainda apontou para o 924 vermelho mas ouviu logo “&%$# não venho para Espanha para andar de VW!!!”. Quando olhou para Pinto da Costa já este descansava a mão no capot do 944 amarelo: “Paulinho, este carro é muita bonito!”. Foi o seu Libidium Fast anos a fio.

“Nas cores do sucesso”

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Também o 924 vestiu as cores que traduziam o sucesso da marca nas pistas. A Martini Edition de 1977 foi apenas uma das várias edições especiais. Em 1979 a moda Turbo chegou ao 924 e trouxe com ele a caixa de 5 velocidades, discos nas 4 rodas e vigorosos 177cv. O empenho da Porsche no modelo ficou nítido quando lançaram os míticos 924 Carrera GT e GTS que homologavam a versão de competição GTR. Traziam 210 e 245cv, com aspeto musculado já envergonhavam alguns 911. Como quem desdenha uma bela mulher por ter implantes mamários por mais perfeitos que sejam, os puristas continuavam a argumentar que no fundo ainda se tratava de um VW. Para esses a Porsche reservou o 924S com um motor de 4 cilindros e 2.5l que era um V8 do 928 cortado pela metade. 40 anos após o seu lançamento começa a ser finalmente reconhecido como um verdadeiro Porsche. Numa conversa entre Porsche o 914 dir-lhe-ia: “Sei bem pelo que estás a passar".

Renault Espace I (1984-91)

Nada de emocionante poderá acontecer com roupa vestida dentro de um monovolume. É um facto. Mas desde 1984 que a falta de entusiasmo é compensada por agradabilidade, conforto, sofisticação e inovação. A Matra (Mécanique Aviation TRAction) era uma empresa com várias divisões que exploravam várias áreas de interesse. Entre sistemas de defesa, telecomunicações e indústria aeroespacial, produziam automóveis desde 1964. Até final da década de 70 a divisão automóvel trabalhava em parceria com a Chrysler Simca. Com a aquisição desta pela Peugeot algo iria mudar. A Matra procurava quem quisesse apostar no seu novo projeto. Um monovolume versátil com nome de código P16 foi apresentado ao estado-maior da Peugeot e agradou. Mas a joint-venture com a Chrysler Simca não estava a correr bem e a Peugeot mandou a Matra bater à porta da irmã Citroen. Quem tem irmãs sabe que estas muito dificilmente aceitam o refugo umas das outras. Algo do tipo: “Não gostas destas calças e queres despachá-las para mim! Sua Gorda!”. A Matra não gostou da recusa mal justificada e decidiu bater à porta da arquirrival Renault. Foi recebida de braços abertos.

Bernard Hanon, presidente da Renault, apenas colocou uma condição: com ele não havia cá carros com duas marcas, tipo Matra-Simca, Talbot-Matra ou João Bernardo. Seria Renault e ponto final. O acordo foi fácil de atingir a partir do momento que se definiu a pequena fábrica da Matra em Romorantin para a sua produção. Para isso foi necessário encerrar a produção do desportivo Matra Murena. O nome Espace foi escolhido por enfatizar o espaçoso e versátil interior e o aspeto sofisticado e espacial da sua carroçaria em poliéster e fibra de vidro. A base do Renault 18 foi bem adaptada e o interior podia transportar confortavelmente uma família e configurar-se para um pequeno escritório ou até uma sala de refeições. Esta inovação valeu à Espace o título de mãe do primeiro monovolume moderno. Foi um sucesso de vendas. Tornou-se parceiro de muitas famílias tanto no seu quotidiano como a devorar quilómetros em viagens mais longas. Era um símbolo da moderna família Europeia. 

Boato: Jean-Michel Jarre, músico e compositor francês, sempre primou pela sofisticação na sua música eletrónica. Em 1986 preparava-se para lançar o álbum “Rendez-Vous” que deveria incluir uma faixa com um saxofone gravado no espaço por um dos astronautas falecidos no desastre do vaivém espacial Challenger desse mesmo ano. Gorado de forma trágica esse desejo, o músico francês homenageou a tripulação da NASA no lançamento do álbum. Comprou também o único carro produzido por uma empresa com um departamento aeroespacial. Consta-se que o tal saxofone sempre foi gravado no Espace.

“Viaje no Espaço”

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Com uma silhueta de volume único mas com um coeficiente aerodinâmico histórico para o seu segmento, permitiu que muitos chefes de família pudessem passear a numerosa prole nos 7 lugares sem se sentirem “chauffeurs” de autocarros escolares. Em Portugal a invasão espacial verificava-se nos meses de Verão com as visitas da comunidade emigrante. Aquando da viagem de regresso a França era vê-las carregadas com caixas de bacalhau e vinho martelado até não caber nem mais uma badana. A Espace vai já na sua quinta geração, lançada no passado ano. Foi produzida em Romorantin até à 3ª geração e foi com o fim desta e do vanguardista Avantime (um espécie de Espace coupé) que se anunciou o fim da produção automóvel da Matra. Curiosamente ou não aconteceu precisamente no ano em que faleceu Jean-Luc Lagardère, fundador da marca. Ficará para sempre no hall of fame automóvel, como um ícone de ergonomia.

Volvo 340/360 (1976-91)

Na década de 70 se a indústria automóvel fosse um recreio escolar, a Volvo seria aquele colega chato que nos dizia constantemente: “Não faças isso que te vais aleijar!”. A obstinação pela segurança já tinha moldado a imagem da marca e já estava também bastante disseminada nas suas concorrentes. Havia que procurar algo mais para se diferenciarem. Mas mais do que gastar milhões a desenvolver novas soluções, a marca sueca precisava de uma forma de entrar mais facilmente nos países da então Comunidade Económica Europeia. E porque não gastar esses mesmos milhões e garantir as duas coisas? 

A DAF concorria diretamente com a divisão de camiões da Volvo, e desenvolvia desde 1958 uma gama de pequenos automóveis com algo que os distinguia de todos os outros. A transmissão Variomatic CVT (Continuously Variable Transmission) era um sistema de poleias e correia que fazia uma transmissão contínua e progressiva às rodas traseiras, sem intervalos nem degraus entre relações. O condutor via a velocidade a aumentar mas o motor a manter as rotações do binário máximo. Figurando as diferenças digamos que uma transmissão manual comum era como cair por umas escadas abaixo e a Variomatic era como descer num escorrega. A Volvo namorava este sistema por achar que tinha muito potencial e quis aplicá-lo nos seus modelos. E para isso comprou a divisão de automóveis da DAF. O DAF 66 naturalizou-se sueco e o projeto P900 para o novo DAF 77 passou a fazer descontos na Suécia. Nascia assim, em 1976, a serie 300 da Volvo, sendo o 343 o pequeno familiar que a Volvo desejava há algum tempo. A produção situava-se em Born no sul da Holanda em pleno coração da CEE. A transmissão Variomatic foi de imediato adotada mas nunca noutros modelos de Gotemburgo. Em 1979 disponibilizava-se a opcional caixa manual de 4 velocidades. A motorização era fornecida pela Renault primeiro com um 1.4 e mais tarde com um 1.7l. Em 1981 surgia também o coração Volvo B19 de 2 litros. Em alguns mercados foi também disponibilizado um bloco Diesel de 1.7l e origem Renault. Seria um sucesso de vendas, por reunir um conjunto de características que incluíam uma certa diversão de condução, segurança e robustez. Apesar do lançamento da série 400 em 1987 que deveria substituir a serie 300, esta manteve-se em produção até 1991 com mais de um milhão de unidades vendidas.

Portanto, para quem procura sensações diferentes vindas da Holanda pode escolher uma de duas opções. Ou um “brownie” de marijuana bem condimentado, ou um divertido Volvo 300 de tração traseira.

Boato: Dennis Bergkamp foi um craque holandês, talvez o maior da sua geração, que ficou igualmente conhecido pela sua aversão a aviões. Fez toda a carreira, recheada de compromissos internacionais contornando as viagens de avião com automóveis, comboios e barcos. Ainda junior mas já com carta respondia aos compromissos das seleções jovens da Holanda viajando no seu primeiro carro. Um Volvo 360, laranja pois claro. O patriotismo levou-o a optar pelo modelo mais patriótico disponível. E quando chegava ao destino, os seus colegas não hesitavam quando o viam a sair da laranja mecânica: “Dennis, que avião!!!”
 

“Para todos os que pensavam que nunca estariam interessados num Volvo"

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O Volvo 360 GLT foi a versão mais aguerrida da série 300. Em 1984 propôs-se bater vários records no traçado de Surfers Paradise na Austrália. Conseguiu bater 36 recordes tendo percorrido 2646 km em 24 horas de pista. Foi o suficiente para convencer vários clientes a colocá-lo em competição. Por esta altura, um 343 já havia vencido o europeu de ralicross de 1980. Para estas aventuras a transmissão Variomatic não tinha pedalada e foi adotado o sistema transaxle para a caixa de velocidades, permitindo uma distribuição de pesos equilibrada. Um modelo com um certo aspecto geriátrico ficava assim no ponto para os avôs que gostavam de levar de forma rápida e ao mesmo tempo segura os seus netos à escola. Se o leitor lhe acha piada não se esqueça; a idade não perdoa.

Citroën BX (1982-94)

À rasquinha! Era assim que se encontrava a Citroën no início dos aos 80. Inúmeros maus investimentos obrigavam os contabilistas da empresa a horas extra e a pedir ajuda ao departamento de design. E o substituto do GS/GSA tardava. Como as senhoras da limpeza não sabiam desenhar tiveram de recorrer a um especialista.

Os estúdios Bertone responderam em 1979 a um pedido da Volvo a pensar já na substituição da serie 300 lançada três anos antes. Pelas mãos do seu designer chefe Marcello Gandini, apresentou aos suecos o Volvo Tundra, um protótipo de cor dourada, altamente futurista e que na sua apresentação estava acompanhado por uma bela loira também ela vestida com calças justas, bikini e casaco de meio corpo dourados. Apresentar tanta “loireza” a suecos era como vestir a loira até aos ossos e tentar ir vender trenós no Alasca. Algo nos padrões suecos fez crer a administração da Volvo que o modelo nunca seria um sucesso. Uns chamam-lhes conservadores, Gandini chamou-lhes bacocos. Ainda lhes tentaram explicar que quem conseguia vender caixotes com rodas da maneira que eles faziam conseguia vender tudo, mas não adiantou. 

Mal souberam da recusa foram convidados a apresentarem-se na sede da Citroën, e nem foi necessário levarem a loira. A Citroen habituara-se a partir a loiça sempre que lançava um novo modelo e viu no Tundra o modelo que precisava. Adicionou-lhe 2 portas e umas pitadinhas de sensatez no design e chamou-lhe BX. Há quem veja semelhanças com o FW11, um estudo que o mesmo Gandini fez para a Reliant. Se quiserem mesmo associar o Reliant ao BX, poder-se-á sempre dizer que era a versão vendida num outlet chinês. Lançado em Outubro de 1982 tirou as finanças da Citroën da lama com as mais de 2.3 milhões de unidades vendidas nos 12 anos de produção. Herdou as peculiaridades todas da Citroen, com a suspensão hidropneumática e a capacidade de circular perfeitamente em 3 rodas. Conseguiu até aguentar o flop que foi a tentativa de introdução no lago de tubarões que era o Grupo B de ralis, mas desse tema tratará o Hugo Reis . Em 1987 surgia a versão GTI 16 Soupapes. Seria o primeiro automóvel francês de produção em série com 16 válvulas. O restyling de 1990 do 16V é reconhecido nos dias de hoje pelo nome do criador do modelo. Quando falamos do BX GTI Gandini falamos dos seus impressionantes 160cv e dos 0-100km/h em 7.4 segundos. Rufino Fontes e Rui Lages deliciaram-nos nas pistas nacionais juntando a sua destreza à do 16V.

Boato: Aníbal Cavaco Silva comprou um BX 16 TRS em 1985 e decidiu fazer-lhe a rodagem numa famosa viagem Boliqueime-Figueira da Foz. Daquela viagem, confessou mais tarde, surgiram-lhe duas inspirações. A primeira durou 30 anos, a segunda quase ninguém conhece. Desde essa famosa rodagem tornou-se um exímio jogador de sueca. Uns dizem que a astúcia já lá estava e foi despertada no tal congresso da Figueira. Mas nós, amantes de carros, não acreditamos que tenha sido isso, pois não? 
 

“Capacidade de resposta.”

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A produção do BX dividiu-se entre as fábricas de Rennes em França e Vigo em Espanha. Talvez pela produção galega a Citroen venceu o concurso para renovação da frota do “Cuerpo Nacional de Policia” espanhol. Muitos “hermanos” ganharam algum asco ao modelo pela eficácia com que cobrava infrações aos condutores do país vizinho. As mais de 500 unidades fornecidas dignificaram as funções da polícia. Vermos a foto do anúncio traz-nos certamente um travo doce à boca ao lembrarmo-nos de os ver nas idas aos caramelos do outro lado da fronteira. Em Portugal a fiscalidade obrigava-nos a adotar uma aberração. Uma motorização de 1.1l neste segmento era como encher uma garrafa de bom cognac com verdelho martelado. Por outro lado tivemos outro endemismo, o 16GTI, com a motorização de 1.6l usada pelo 205GTI. Substancialmente mais barato que o 19GTI, permitiu a muitos pais de família sentir o entusiasmo que só a família de motores GTI do grupo PSA podia proporcionar. 

 

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