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Vai a leilão um Ferrari 250 GTO. Comprava-o?

A venda pública de um dos 36 exemplares do 250 GTO, é sempre notícia e gera expectativa. Sendo provável que chegue aos 50 milhões, se pudesse, comprava-o?
Hugo Reis
8 de ago. de 2025

Fotos: Mecum Auctions, Klemantaski Collection, Goddard Picture Library, autor

Desde Novembro de 2023 que um Ferrari 250 GTO não é submetido leilão. O exemplar então vendido pela RM Sotheby’s, era o chassis #3765, que tem a particularidade de ser um 330 LM/250 GTO, na medida em que foi equipado, em novo, com um motor de quatro litros. Foi o único exemplar assim equipado de fábrica, para tirar partido dos regulamentos. Foi também o único 250 GTO a competir inscrito oficialmente pela marca. Fezo segundo lugar da geral nos 1000km de Nürburgring, pilotado por Mike Parkes e Willy Mairesse. Posterioremente, alinhou nas 24H de Le Mans, com Parkes a fazer equipa com Lorenzo Bandini, mas uma saída d epista hipotecou as chances de um bom resultado. 

A dada altura, por questões de homologação, a Ferrari removeu o motor de quatro litros, antes de o vender a um “gentleman driver” italiano, aplicando uma unidade original GTO de três litros, que havia sido usada em testes o que, de certa forma, retira algum encanto ao exemplar.

Ao atingir os 51,7 milhões de dólares, tornou-se no mais caro 250 GTO alguma vez leiloado. Ainda assim, um valor muito aquém do preço mais alto pago por um exemplar em vendas particulares. É público que um outro 250 GTO trocou de mãos por mais de 70 milhões de euros.

A venda de um Ferrari 250 GTO é sempre um acontecimento mediático que transcende as fronteiras dos meandros dos clássicos. É quase como a venda de um Picasso ou um Van Gogh. É um automóvel venerado pelo seu sucesso desportivo, pela sonoridade, pela experiência de condução que é consideradas das mais puras e perfeitas de sempre e pelo facto de apenas terem sido produzidas 36 unidades. Destas, 33 delas foram produzidas com a mais desejável carroçaria de 1962, desenhada conjuntamente por Bizzarrini, Mauro Forghieri e também por Sergio Scaglietti, que se encarregou da produção. 

“Bianco Speciale”
A Mecum decidiu dar este epíteto ao Ferrari 250 GTO chassis #3729, que irá ser a estrela do leilão de Kissimee, que acontece de 6 a 18 de Janeiro. E se qualquer um dos 36 exemplares tem uma história rica e relevante, o #3729 tem alguns argumentos que o destacam. Logo à cabeça, é o único 250 GTO originalmente produzido em branco. É também um de apenas nove exemplares com volante à direita, isto porque começou a sua vida desportiva em Inglaterra, tendo sido encomendado por John Coombs. Junta-se também a particularidade de este ter sido o 250 GTO que passou pelo “scanner” da produção do jogo Gran Turismo.

Mais importante ainda será o facto deste 250 GTO estar em excelentes condições de conservação e funcionamento, apesar de ser um dos poucos exemplares que nunca foram alvo de um restauro total, pelo que exibe marcas do tempo. 
Infelizmente, o #3729 já não conta com o seu motor original, mas antes com um outro fabricado recentemente pela Ferrari Classiche, de acordo com a especificação original. O exemplar é entregue ainda acompanhado por outro motor preparado para competir em eventos de históricos, caso o próximo proprietário tenha essa audácia.

Grandes nomes, excelentes resultados
O currículo deste 250 GTO não é um qualquer, pois além de ter participado em provas importantes, foi levado pelas mãos de pilotos míticos a resultados de relevo. 

John Coombs recrutou Roy Salvadori para a estreia do #3729 no Peco Trophy de 1962, disputado em Brands Hatch, e o britânico não desiludiu, alcançando o segundo lugar na prova.
Em Agosto do mesmo ano, o grande Graham Hill alinhou com o GTO no RAC TT, em Goodwood, tendo repetido um segundo lugar à geral, que ajudou a Ferrari a conseguir o título internacional de construtores da categoria GT.
Além de outros resultados meritórios, o #3729 viria ainda a vencer à classe no Guards Trophy de 1963, em Brands Hatch, pelas mãos de Jack Sears e de nosso em segundo no RAC TT, conduzido por Mike Parkes.
Mais tarde, este GTO viria ainda a ser pilotado por Richie Ginther, antes duma “reforma dourada” que durou 30 anos, na posse de Jack Sears.

Expectativas comedidas?
Em tempos, os Ferrari 250 GTO atingiram recordes consecutivos no título de “automóvel mais caro do mundo”. No entanto, o histórico leilão à porta fechada do Mercedes-Benz 300 SLR Uhlenhaut Coupé por 135 milhões, afastou de vez (talvez intencionalmente) a expectativa de uma “renovação” desse título por parte do Ferrari. 

O historial de competição do #3729 deveria permitir atingir valores históricos, mas o momento morno do mercado e o facto deste exemplar não contar com um motor da época, poderão ditar um resultado menos espectacular do que seria de esperar. 

Uma presença magnética
Para o comum dos entusiastas, a oportunidade de estar diante de um dos 36 exemplares originais do 250 GTO, é sempre muito especial e marcante. Assim foi para nós quando, em 2024, pudemos ver o “Bianco Speciale” de perto no stand de Simon Kidston na Retromobile e confirmar que, não só a cor lhe assenta bem, como estar na sua presença é uma espécie de “momento espiritual”. 
Tê-lo na garagem será, por si só, uma experiência incrível, mas poder usufruir da condução deverá ser algo de muito mais extraordinário, como é possível intuir por este vídeo produzido pela Kidston

Imagine que podia. Comprava?
Para qualquer pessoa fora do hobby dos automóveis, o valor pelo qual são transaccionados estes Ferrari, é chocante e injustificável. 

Mas há ainda aqueles que, estando no meio, acham uma obscenidade e que outros modelos mais acessíveis podem proporcionar o mesmo prazer.

Outros ainda, dentro e fora do sector, olham para estas compras como uma aplicação financeira e não estão completamente errados. Contudo, o que faz com que esta aplicação de capital seja sustentável e possa, eventualmente, representar um excelente investimento?  

A resposta é só uma: a procura. E porque é que há procura para um “brinquedo” tão caro? Porque há quem junte ao poder de compra um desejo arrebatador de viver a experiência de ter e usar um destes pedaços de história.

Hoje é possível, por um par de milhões, encomendar uma reprodução perfeita de um 250 GTO, o que poderia tornar descabida a compra de um genuíno por 50 ou mais. Mas aí entra a tal experiência “espiritual” que mencionei acima. Conduzir um automóvel que foi pilotado por Graham Hill, Roy Salvadori, Jack Sears, Richie Ginther e Mike Parkes, que pertenceu a uma lenda como John Coombs, é algo a que é difícil pôr um preço. É tentar comprar o intangível. 

Sim, a pele dos bancos já não será a mesma, nem é garantido que aquele volante seja o mesmo que eles tocaram, mas a essência está lá. É um automóvel que pisou os mais ilustres palcos nos anos mais fascinantes. É uma janela através da qual o proprietário entra na história do exemplar e do modelo.

Se eu tivesse o tipo de orçamento que torna razoável adquirir e efectivamente usar uma destas máquinas, será que o faria? Sem dúvida. Chamem-me parvo ou romântico, mas a ideia de poder sentar-me na minha garagem a olhar para um 250 GTO ao vido e para as fotos do seu passado, de poder ouvi-lo e, sobretudo, de sentir a presença de algo que foi tocado por pilotos lendários, talvez seja algo que não valha 50 milhões de euros, mas se não há outra forma de o conseguir... quanto vale?

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