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"Human driving association", pelo direito a conduzir

Uma nova associação quer defender o nosso direito a conduzir num futuro em que os veículos autónomos sejam a maioria. É bom prevenir ou será cedo demais para admitir essa hipótese?

Fotos: Alma - Manuel Portugal / Rui Reis

A Human Driving Association (HDA) foi fundada em 2018 por Alex Roy, um entusiasta do mundo automóvel, que além de autor e apresentador de TV, é conhecido por documentar as suas participações em eventos como o Cannonball Run.  É também uma personagem polémica por se ter dedicado a bater diversos records de percursos feitos em estrada aberta, o que lhe valeu a suspensão da licença de condução por diversas vezes.

A HDA surgiu como uma resposta ao avanço acelerado dos veículos autónomos e à possibilidade de, num futuro próximo, a condução humana poder ser restringida ou até proibida em nome da segurança e eficiência.

Objectivos e filosofia
A missão central da HDA é defender o direito das pessoas a conduzirem os seus próprios veículos. A organização não é contra a tecnologia, mas defende que esta deve servir para melhorar a experiência e segurança da condução humana, e não para substituí-la completamente. Propõe um “caminho intermédio” chamado condução aumentada, onde sistemas avançados de assistência ao condutor (como travagem automática de emergência ou aviso de colisão frontal) ajudam, mas não substituem o condutor humano.

No seu manifesto, a HDA afirma ser pró-humana, pró-tecnologia e pró-segurança, defendendo uma abordagem incremental à automação e a melhoria da formação dos condutores. Também propõe a inclusão na constituição americana de uma “emenda” que garanta o direito de conduzir, desde que dentro dos limites da segurança.

Contexto e Impacto
A HDA surgiu num momento em que empresas como a General Motors e a Ford estavam já a investir em veículos autónomos de nível 5, ou seja, capazes de operar sem qualquer intervenção humana. 

Alex Roy lançou a HDA como uma forma de lobby para a condução humana, argumentando que a sociedade precisa de uma voz organizada para proteger a liberdade de conduzir, num mundo cada vez mais automatizado.

A Human Driving Association representa uma visão que valoriza a liberdade individual, a cultura automóvel e o prazer de conduzir. Embora reconheça os benefícios da tecnologia, a HDA alerta para os riscos de uma transição apressada e total para a automação, defendendo que a condução humana deve continuar a ser uma opção legítima e protegida por lei.

A salvação de milhares de empregos?
Ainda que estejamos do outro lado do oceano e a acção desta associação possa não impactar directamente a nossa vida (até porque a Europa tem - para já – mais limitações legais à condução autónoma), a verdade é que dá que pensar, até porque o receio de um dia não se poder conduzir, já passou seguramente pela cabeça de todos os entusiastas. 

Um argumento que poderá ser fundamental para a defesa da condução humana, é o facto de haver um gigantesco negócio assente na condução enquanto actividade recreativa, cultural e desportiva.

Uma eventual imposição da condução autónoma ditaria o fim de todas as marcas de automóveis direccionadas a entusiastas e, com isso, o fim de centenas de eventos e actividades empresariais que estão assentes nesse hobby, destruindo-se dezenas e dezenas de milhar de postos de trabalho. Social e economicamente, o impacto seria desastroso. 

É cedo demais para começar a defender o direito a conduzir?
No momento em que vivemos, a imposição da condução autónoma parece-nos um cenário improvável num futuro próximo, mas o ritmo de evolução da indústria sugere-nos o contrário. Não devemos esquecer-nos de que os táxis autónomos são já uma realidade nos EUA.

Contudo, sugerir a eventualidade de uma futura proibição da condução humana, comporta riscos. De certa forma, lutar contra um problema que ainda não existe, pode ser uma forma de o precipitar, se a causa não for bem gerida ou se os mensageiros não forem os ideais, como parece ser o caso. 

Acima de tudo, uma questão filosófica
O valor de uma vida humana, seja ela qual for, é indiscutível, o que de certa forma tem vindo a justificar transformações legais com que nem sempre concordamos. A questão é até que ponto a restrição das liberdades individuais é a resposta certa. Será que estamos a fazer tudo o que é possível do ponto de vista da formação e da sensibilização para salvar vidas?

E a haver uma restrição à condução humana, porque não limitá-la a determinados contextos, permitindo que continue a existir em circunstâncias adequadas, que são aquelas que realmente nos dão prazer: estradas secundárias, locais com menor densidade populacional, etc. No tempo dos pioneiros, os automóveis eram usados mais por recriação do que por necessidade e, foram sendo aceites pela sociedade, apesar disso.

Além do mais, será mesmo legítimo ir até ao limite da liberdade em nome da segurança? Sei que aos olhos de alguém que já tenha perdido um familiar por via de um acidente de viação, esta argumentação poderá soar abjecta, mas analisando de uma forma abstracta, o que é pior para a sociedade: o risco de morte por acidente, ou as consequências da eliminação do risco?

Quantas não são as actividades humanas legítimas e irreguladas que podem resultar na morte dos seus praticantes ou de terceiros? Porque é que conduzir tem de ser pior e mais digno de abolição de que um desporto radical? 

Até mesmo o sexo, a mais primária e essencial das actividades humanas, comporta sérios riscos de morte para os envolvidos e para terceiros. Devemos também aboli-lo? 

Queremos mesmo uma sociedade com risco zero? 

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