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Alfa Romeo T33/2 de Peixinho vai a leilão

O chassis #033015 tem uma história incrível que inclui nomes como, Nino Vaccarella, Nanni Galli, Mario Andretti ou Teddy Pilette e o carismático António Peixinho.
José Mota Freitas
3 de mai. de 2025

Em 1967, a Alfa Romeo e a Autodelta produziram um novo modelo para a categoria de sport-protótipos, o Tipo 33. A primeira versão tinha 1995cc e o motor V8 debitava cerca de 260cv através de uma caixa de 6 velocidades, algo raro na sua época.
Era um modelo fascinante, mas graças a uma suspensão pouco sofisticada, era facilmente batido pelo rival de Estugarda, o Porsche 910. Por isso, no ano seguinte surgia o T33/2, uma versão actualizada, com suspensão revista, carroçaria mais larga e com tejadilho. O chassis #033015 foi o primeiro exemplar desta nova versão e teve uma estreia auspiciosa nas 24H de Daytona, classificando-se em sexto, e primeira da categoria dois litros pilotado por Mario Andretti e Lucien Bianchi, seguido pelos outros dois T33/2 inscritos pela marca. 

Em 1968, o chassis #033015, foi sétimo em Nürburgring, venceu em Mugello ou e ficou em quarto em Zeltweg. Ao londo da época a Autodelta rodou este exemplar por vários pilotos, como Udo Schutz, Nino Vaccarella, Nanni Galli ou Teddy Pilette.

Para a época de 1969 foram introduzidos nos T33 os novos motores de 2.5 Litros, que se juntavam aos motores 2.0 já introduzidos no ano anterior. Para a época de 1969, seria montado um desses propulsores, no carro que, entretanto, foi vendido ao Conde Van Der Straeten, o belga o mentor do “Team VDS”. O chassis #033015 foi utilizado nesse ano em cinco provas do Mundial de Marcas: Monza, Targa Florio, 1000 Km de Nurburgring, 1000Km de Spa, Zeltweg e as 24 Horas de Le Mans.

A dada altura o carro é vendido para Angola. António Peixinho precisava de um carro mais completivo que substituísse a sua já desatualizada GTA e entrando em contacto com a Autodelta foi a Itália testar um carro, que, estando impecável, decidiu comprar. Mais tarde, parece que o carro enviado para Portugal não seria o mesmo carro “oficial” que experimentou (pelos vistos era o carro ex. Team VDS) e logo à chegada foi necessário desmontar o cockpit e fazer uma nova baquet, pois António Peixinho não cabia na que vinha montada no carro, a qual alegadamente seria à medida da pequena estatura de Nino Vaccarella …

A imprensa nacional, nomeadamente o Jornal Motor de 30/07/1970, num artigo do jornalista Carlos Blanco, dá grande destaque ao desembarque do carro em Luanda, dizendo que o Alfa Romeo 33/2 tinha um motor de 2.5 Litros de 330 cavalos e seria na altura o melhor automóvel do parque automobilístico português. A sua preparação seria entregue ao mecânico da Socoína António Calado, um antigo funcionário em Lisboa da Palma & Morgado, coadjuvado por um mecânico italiano da Autodelta.

A estreia do carro italiano, que adquiriu a matrícula angolana AAC-25-75, ocorreu no Circuito de Malange, a quarta prova da época. A condução do carro estava entregue a António Peixinho, o mais credenciado piloto em atividade na nossa província ultramarina e desde há algum tempo ligado localmente ao importador da marca italiana a Emaco-Socoína. Dizia-se também que o carro iria integrar a conhecida “Écurie Palanca Negra”. Nessa época de 1970, marcada pela rivalidade Alfa Romeo / BMW, antes da chegada do T33, Peixinho, ao volante do GTA de 2 Litros, havia vencido já em Benguela e em Cabinda, adiantando-se assim no campeonato a Nicha Cabral, seu grande rival, que alinhava num BMW 2002 Schnitzer inscrito pela Autocal, o importador da BMW.

Felizmente que o 33 TT/2, apesar das conhecidas dificuldades quando a rodar em altas rotações, não acusou problemas de juventude e Peixinho dominou logo essa sua primeira prova africana, deixando Mário Araújo Cabral a três voltas de diferença. E a próxima prova seria a de Nova Lisboa, o ponto alto da Temporada Angolana.

Nessa competição, denominada como “6 Horas Internacionais do Huambo”, Peixinho fazia equipa com o excelente piloto sul-africano Basil Van Rooyen (tinha já dois GP de Fórmula 1 disputados em 68 e 69) e a Socoína não queria de forma alguma descurar a sua participação na prova, deslocando por isso 50 pessoas da empresa para dar apoio à equipa, que além do 33/2 incluía também alguns GTA de 1600 e 2000 cc. Peixinho e Van Rooyen não deram hipóteses à concorrência, vencendo à frente do Alfa GTA de Altino Fraga e António Resende.

Na prova seguinte, disputada em Sá da Bandeira (3 Horas da Huíla), Peixinho esteve ausente, aliás toda a equipa Alfa Romeo esteve ausente, e a vitória foi para a BMW, com Nicha Cabral e o metropolitano José Lampreia nas duas primeiras posições. Esta prova foi aliás manchada pelo acidente mortal que vitimou Francisco Corte-Real Pereira, glória do automobilismo nacional que residia e competia em Angola desde há alguns anos.

A desforra poderia ter acontecido no V Circuito de Novo Redondo. Mas o Alfa Romeo aparentemente não estava nas melhores condições. Peixinho foi apenas quarto nos treinos, mas arrancou bem e assumiu o comando da prova logo à segunda volta. No entanto teve que abandonar após a 40ª passagem pela meta, deixando a vitória para Carlos Bandeira Vieira num dos BMW 2002 Schnitzer. Na segunda posição ficou o piloto de Benguela Emílio Marta em Ford GT40. Nicha também abandonou a prova e por isso o título metropolitano iria ser decidido no Circuito de Lobito, a última prova do ano em Angola.

A prova começou mal para o homem do Alfa Romeo T33, que perdeu várias voltas por causa de um tirante da caixa de velocidades que teve que ser soldado. Nicha Cabral, por seu lado, também teve problemas, pois bateu num lancil (abandonou) e passou de imediato para o carro de Bandeira Vieira. A partir daqui foi ganhando cerca de quatro segundos por volta a Emílio Marta, que comandava a prova. No entanto, quando já tinha o seu adversário quase à vista, teve que abandonar com problemas de caixa. No final ganhou mesmo Emílio Marta e o GT40, seguido de Herculano Areias no Lotus 47 que fora de Carlos Santos e de António Peixinho no Alfa Romeo T33. Peixinho, que nessa prova tinha o seu Alfa Romeo a trabalhar “como um relógio” fez uma excelente recuperação e o terceiro lugar obtido foi suficiente para garantir o título provincial.

O piloto do Alfa Romeo terminou a época com 102,6 pontos, tendo Mário Araújo Cabral somado 73 e o terceiro classificado, Altino Fraga 70,7.

Para a época de 1971 a Socoína tinha novamente grandes expectativas em Peixinho e no Alfa Romeo #033015. A primeira prova do ano era como habitualmente o Circuito das Festas do Mar, disputado em Moçâmedes (agora Namibe). Mas Peixinho teve vários problemas de motor do Alfa nos treinos e esteve ausente na prova, ganha facilmente pelo Ford GT40 de Emílio Marta.

A imprensa nessa altura não se referia ao Alfa de Peixinho com grandes elogios e não augurando nada de bom para o futuro do carro, pois dizia “… Peixinho apareceu com o estafado Alfa, ficando pelos treinos. O carro gripou o motor, querendo mostrar que deve ter assim terminado a sua curta estadia entre nós…”

A prova seguinte até iria dar alguma razão a esses vaticínios, pois Peixinho não iria novamente alinhar numa prova. Mas desta vez não foi por um motivo mecânico, mas sim porque a belga Christine Beckers, piloto da Alfa Benelux desde 1968 e companheira do piloto de Aveiro nas 6 Horas de Nova Lisboa, teve um forte acidente nos treinos inutilizando o Alfa para a prova do dia seguinte. Venceram Nicha Cabral e o jovem alemão Hans-Joachim Stuck ao volante de um novo BMW 2800 CS Schnitzer, nova arma da concorrência para tentar bater o Alfa oficial.

Mas, contrariando as vozes negativas, António Peixinho e o Alfa Romeo iriam recuperar o carro e vencer duas provas consecutivas. No Novo Redondo Peixinho venceu com três voltas de avanço em relação a Emílio Marta (Ford GT40) e quatro em relação a Nicha Cabral; no Circuito da Restinga (Lobito), o Alfa 33 estava com os habituais problemas em altas rotações, mas mesmo assim Peixinho venceu, aproveitando a desistência da Marta quando comandava, sendo desta vez seguido por Santos Peras, um excelente valor local, que conduzia um Alfa GTA da mesma equipa.

Na prova de Malange (Huíla) ia decidir-se o título local. Emílio Marta ainda poderia tirar o ceptro a Peixinho, caso terminasse à frente do piloto do Alfa Romeo. Mas o campeão angolano não estava ali para perder e venceu a prova. Na segunda posição ficou António José Oliveira em BMW. Mais uma vez António Peixinho e o Alfa Romeo T33 são campeões angolanos. 

Para 1972, a Socoína resolveu importar um novo Alfa Romeo GTAm e o T33 fica mais ou menos parado sendo apenas utilizado pontualmente por Fernando Coelho, sem grandes resultados.

Uma “segunda vida” do carro terá início em 1974. Nas mãos do piloto-preparador Santos Peras e agora pintado de verde, o carro fará uma excelente temporada, num ano já prejudicado pelas sequelas políticas do 25 de Abril e da descolonização angolana.

Na prova disputada no Autódromo de Luanda nos dias 29 e 30 de Junho, Santos Peras conseguiu um excelente segundo posto atrás da Lola T292-BMW de Mabílio de Albuquerque (antigo carro de António Peixinho em 1973).

Na prova seguinte, o VIII Circuito de Carmona, o Alfa Romeo 33/2 chassis #033015, terá a sua última e inesperada vitória. Peras, embora em parte aproveitando as desistências dos dois Sport-Protótipos 2 Litros de Mabílio de Albuquerque (Lola T292) e Jorge Pego (Lola T212), venceu, à frente do Austin Cooper S de Fernando Carneiro.

No fim-de-semana seguinte, 20 e 21 de Julho, Peras tem novamente uma excelente actuação numa prova em que mostrou a excelente saúde mecânica do seu Alfa Romeo, sendo segundo, após luta empolgante com o mais competitivo Lola - BMW Schnitzer do Dr. Mabílio.

Em Agosto, Santos Peras participou ainda nos 500 Km de Benguela, a segunda prova integrada na Temporada Internacional, e andou muito tempo num excelente terceiro posto antes de desistir por avaria.

Pouco tempos depois da independência de Angola, Santos Peras veio para Portugal trabalhar e também fazer algumas provas do Troféu Citroen AX, deixando o carro em Angola num armazém/sucata do seu cunhado. O clima seco e quente de Angola ajudou a bem preservar o carro e em 1986 o Alfa é descoberto por um entusiasta da marca (francês) que se encontrava em Angola em negócios e tinha ouvido falar “de um tal carro de competição”. E que não acreditava que ele existia mesmo, até o ver na tal sucata, após se remover da sua frente o encerado que o tapava…

Pelos vistos, no dia em que o carro foi encontrado, várias crianças jogavam futebol nas suas imediações e no cockpit do carro estava um ninho de aranhas. Sem esquecer a famosa pele seca de uma cobra no chão do carro.

O passo seguinte foi a aquisição do Alfa Romeo. Foi necessário encontrar o dono e para isso o interessado marcou viagem para Lisboa. Encontrou Santos Peras numa cama com gesso numa perna devido a uma fratura recente, mas o negócio fez-se, apesar da difícil negociação decorrer até às duas da manhã e ter sido feita com a ajuda de um tradutor! O Alfa Romeo acabou por mudar de mãos, com o comprador ficando de enviar para Angola um motor de um Ford Cortina, uma moto para o neto de Peras, ficando para Santos Peras um leitor de cassetes VHS e uma TV!

Mas os problemas do novo comprador apenas tinham começado! Tirar o carro de Angola não foi tarefa fácil. Demorou dois anos, em que o novo dono teve que entregar dólares a muita gente para desbloquear o problema, e inclusive chegou a ter que entrar em Angola com dólares escondidos nas cuecas para fazer pagamentos! Finalmente em 1988 o carro foi embarcado para a Europa, com destino a França num avião Hércules de carga.

Infelizmente e por vários motivos, especialmente financeiros, o Alfa Romeo não seria restaurado pelo seu novo dono, até que no dia 1 de Dezembro de 1994 foi vendido num leilão pela Coys of Kensington - Londres, exatamente no mesmo estado em que foi encontrado em Angola. Faltavam-lhe as duas bombas de óleo, o motor de arranque e os coletores de escape, e o volante que estava montado não era o original, mas mantinha os restantes componentes de origem, como as belas bielas em magnésio, por exemplo, que eram descritas no catálogo da Coys como “verdadeiras obras de arte”.

Era uma das mais excitantes descobertas dos últimos tempos com uma história fascinante. Estava exatamente igual ao dia em que correu pela última vez (em 1974) e virtualmente intocado desde essa data.

Após esta venda na Coys ao colecionador italiano Marzotti, o carro foi totalmente restaurado por Giovanni Giordanengo e Massimo Gandi (antigos funcionários da Autodelta) e regressou às suas cores iniciais quando ao serviço da Autodelta, tendo realizando algumas provas de Históricos no início deste século.

Em 2002 o Alfa Romeo foi vendido novamente, desta vez ao piloto – colecionador de Bérgamo, Itália, Franco Meiners, que encarregou Francis Trichet de uma nova reparação mecânica. Dizia-se que no seu magnífico restauro teriam sido gastos mais de 200.000 dólares.

Desde 2002, com Jean François Bentz, Hervé Poulain e o próprio Meiners ao volante e com as cores da associação “Mécénat Chirurgie Cardiaque”, o carro tem sido visto em eventos históricos um pouco por todo o mundo, como Le Mans Historique, Tour de France ou Vuelta a España.

Agora, o Alfa Romeo Tipo 33/2, chassis #033015, vai escrever um novo capítulo da sua história ao ser levado a leilão pela RM Sotheby's na Monterey Car Week. A estimativa situa-se entre os 1,7 e os 2 milhões de dólares.